Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Reprodução.

Não pode o STF intrometer-se na atividade do Senado e do Legislativo como um todo.

Por Wálter Maierovitch / Colunista do UOL

O jus-filósofo Montesquieu, que desenvolveu a teoria da tripartição dos poderes do Estado-nação, faleceu em fevereiro de 1755, na França. Agora, em pleno ano 2023, Montesquieu voltou a morrer. Só no Brasil, frise-se, pois vivíssimo e atual no mundo civilizado. Dessa vez, Montesquieu restou assassinado pelo STF.

Rodando a baiana da toga

Na tempestade em copa d’água e exibicionismo muscular intimidatório, chamado pelos jornais de “Crise de Poderes” e medo de retaliações pelo Supremo Tribunal Federal, a toga, infelizmente, está no módulo “rodar a baiana”.

s magistrados, supremos ou não, desembestaram a invadir competência do Senado. E até se usou de palavreado impróprio e ofensivo. No particular, o decano, figura originária da sabedoria acumulada pelo chamado Conselho dos Anciãos da antiguidade, mostrou pouca sapiência.

Na tal Crise de Poderes, o STF não tem razão alguma. E faz uso de um direito que não tem, ou seja, o “jus sperniandi” (direito de espernear).

Para intimidar o Legislativo, o Supremo, pelos seus 11 ministros, apostou na musculatura adquirida ao tempo dos atos bolsonarista.

Aprenderam os ministros a sair do trilho da legitimidade e legalidade — eufemisticamente denominada de “linha cinzenta”. E deram, numa interpretação expandida do Regimento Interno, um posto de Torquemada ao ministro Alexandre de Moraes.

Jair Bolsonaro preparava para aniquilar o Estado de Direito e rasgar a nossa Constituição democrática e republicana. Agora, no auge de uma crise de Poderes, o STF sente-se forte para, com músculos e esperneio, brecar e matar uma PEC impeditiva de decisões monocráticas, em caso explicitado.

A constitucionalidade da PEC aprovada pelo Senado é de clareza solar, pois reforça a garantia da observância do princípio da colegialidade.

O STF é um colégio. E as decisões monocráticas, na hipótese cuidada na PEC, terão de ser colegiadas e não mais individuais.

Atuação política do STF

Muito tempo atrás, juízes reuniram-se para criar as suas associações classistas, como, por exemplo, as associações estaduais de magistrados e a nacional.

Como o magistrado tinha a obrigação constitucional de manter o distanciamento dos políticos e não antecipar decisões, era necessário, para evitar promiscuidades e trocas de favores, que os juízes sentissem ter voz para apresentar as suas pretensões.

Em outras palavras, os magistrados são técnicos e não políticos. E as associações classistas (muitos detestam a expressão) podiam, sob a roupagem de pessoa jurídica, opinar, reivindicar pela corporação e bater às portas do STF.

O trabalho das associações foi utilíssimo quando da Assembleia Constituinte. E útil para aperfeiçoamento e fixação de garantias pétreas de independência e autonomia.

O STF passou — como dá para perceber para quem tem olhos de ver e vontade de perceber — a atuar politicamente. E tomou o lugar das associações classistas.

Perdida a noção do limite da sua atuação constitucional, o STF foi bater de frente com o Senado e fez cara feia ao Executivo.

Até Lula se assustou e promoveu jantar para fumar o cachimbo da paz. E o Executivo, como destacou no UOL News o jornalista Ricardo Kotscho, “entrou de gaiato”, pois o seu líder no Senado votou pela aprovação da PEC.

Frise-se, Jaques Wagner, líder do governo no Senado, votou bem, no interesse público.

Já faz um bom tempo que o STF virou uma corte política. Por exemplo, o ministro Dias Toffoli, como noticiou a colunista Carla Araújo do UOL, com base em importante livro publicado pelos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, era uma espécie de assessor informal do golpista Jair Bolsonaro, quando este estava na presidência da República.

E o STF, no momento, expõe-se e mostra apetite pantagruélico dos seus ministros pelo poder. Como se diz no popular, estão se achando acima dos outros.

Para se ter uma ideia, ministros do Supremo querem indicar seus futuros pares. E influenciar na indicação de ministros e desembargadores para outras cortes. Até para a Procuradoria-geral, a chefia do Ministério Público da União, querem indicar o titular, a acuar o presidente da República.

Para o cidadão comum, esse quadro seria chamado de formação de “panelinha” no STF. E a “panelinha” vira caldeirão voltado à detenção de um poder de mando nacional. Nem Montesquieu imaginou que isso pudesse acontecer.

Limites ultrapassados pelo STF

Com a célebre frase “só o poder freia o poder”, Montesquieu dividiu a competência dos três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — e estabeleceu o sistema dos “freios e contrapesos”, aperfeiçoado pelos norte-americanos em “check and balances”.

No nosso sistema constitucional, Montesquieu esteve presente e as competências e atribuições foram delimitadas pela Assembleia Nacional Constituinte. Um respeitado professor de Direito e experimentado e honrado parlamentar, Ulisses Guimarães, esteve no comando.

As nossas criancinhas nas escolas aprendem que cabe ao Executivo administrar, ao Legislativo elaborar as leis e ao Judiciário julgar. E professores criativos, para fixar conceitos fundamentais do Estado de Direito, invocaram o dito popular do “cada macaco no seu galho, chô, chuá”.

Com o tempo e a evolução nos degraus escolares, os alunos apreendem que cabe ao Congresso Nacional promulgar as aprovadas emendas constitucionais.

Nos bancos universitários ficaram os acadêmicos a saber algo mais elaborado, ou seja, que cabe ao Judiciário verificar a legitimidade das leis à luz da Constituição e solucionar os conflitos, com imposição da vontade da legislação do Estado nacional.

O esperneio e a chiadeira representa subversão do ordenamento constitucional. Não pode o STF intrometer-se na atividade do Senado e do Legislativo como um todo.

A PEC discutida e aprovada no Senado estava dentro do seu campo de competência e atribuição.

O caminho legal para a derrubada dessa PEC, caso promulgada, será por ação de inconstitucionalidade. Sobre ela, os ministros já prejulgaram, com o esperneio em curso e chamado de “Crise de Poderes”. E magistrados, juízes e ministros, não podem prejulgar.

Decisão monocrática deveria ser exceção

Todos sabem, nas Cortes, que decisões individuais, monocráticas, representam exceção de poucos minutos de vida. Precisam ser imediatamente referendadas ou cassadas.

Inúmeras decisões monocráticas do STF perduram por anos a fio. Muitas, suspeitas de politicagem ou corporativismo.

Por decisão monocrática liminar, guardada na gaveta para não ser submetida aos demais ministros, o ministro Fux autorizou o pagamento de auxílio moradia a juízes, a incluir a filha desembargadora (não se julgou impedido). O penduricalho foi pago por anos em face da decisão monocrática de Fux.

Inesquecível a decisão de Gilmar Mendes a impedir a nomeação de Lula como ministro da Casa civil do governo da presidente Dilma Rousseff, numa intromissão em questão interna, atinente à autonomia do Executivo. Numa comparação forçada, como se Dilma concedesse liminar para impedir a indicação feito por Gilmar Mendes de um auxiliar para o seu gabinete de trabalho.

Medo de vingança

Os jornais falam do Executivo e do Legislativo a temerem “retaliações” do STF, em casos futuros.

Pelo jeito, não confiam no STF como composto por órgãos de poder (ministros) isentos, imparciais, compromissados em fazer justiça. Desconfiam que o STF promoverá vingança.

A que ponto chegamos.

Por outro lado, reclamam os ministros do STF, pela voz do seu presidente (Barroso) e do decano (Gilmar Mendes), de intromissão em suas atribuições regulamentares.

A ministra Rosa Weber, quando presidente do STF, percebeu a vergonha das decisões monocráticas, sem controle. E conseguiu colocar regramentos no Regimento Interno do STF.

Acontece — e até um reprovado em exame da OAB sabe — ter o regimento do STF força de lei, mas, atenção, pode ser mudado pelos próprios ministros, a qualquer momento.

O regimento do STF está, por evidente e no que toca à hierarquia das leis e das normas, abaixo da Constituição.

Foi legítimo, adequado e oportuno o Senado aprovar uma PEC para reforçar a garantia constitucional da colegialidade. Passar para a Constituição a vedação de certas decisões monocráticas de evidente abuso.

A PEC é um aperfeiçoamento, no particular.

Pano rápido

Os ministros perderam o pudor no caso da mencionada PEC. Como alertou o saudoso jurista italiano Piero Calamandrei, na obra “Elogio dei giudici scritto da un avvocato” (Elogio aos juízes escrito por um advogado):

“Se o juiz não tem cuidado, a voz do Direito torna-se esvanecente, fica longínqua como a voz inatingível dos sonhos.”

No presente momento e perante a opinião pública, as falas raivosas do STF representam, como se dizia na Roma dos pretores, “flatus vocis” (vozes fracas) não ouvidas, pela baixa credibilidade.

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Opinião: Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados, não reflete necessariamente, a opinião do Agenda Capital (com informações do UOL).

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