‘Orçamento secreto’ é como ficaram conhecidas as emendas parlamentares de relator, cujos critérios de distribuição e transparência foram questionados no STF

Por Redação 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta segunda-feira (19), por 6 votos a 5, considerar inconstitucional o chamado “orçamento secreto”.

“Orçamento secreto” é como ficaram conhecidas as emendas parlamentares cuja distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento. Essas emendas não têm critérios claros ou transparência e passaram a ser questionadas no STF.

Em meio ao julgamento sobre o tema no STF, o Congresso chegou a aprovar, na semana passada, um novo conjunto de regras para as emendas. As regras definiram os montantes a serem distribuídos, mas sem estabelecer os critérios para a distribuição.

Em novembro de 2021, a relatora do caso no STF, Rosa Weber, suspendeu os repasses de verba do “orçamento secreto”. No mês seguinte, após o Congresso aprovar novas regras, a ministra liberou o pagamento das emendas.

Agora, no julgamento do tema pelo plenário do Supremo, Rosa Weber votou pela inconstitucionalidade do “orçamento secreto”.

Lewandowski argumentou na última sessão de julgamento realizada na sexta-feira, 16, que a resolução aprovada às pressas pelo Congresso, com o objetivo de ampliar a transparência do orçamento secreto, estava alinhada aos votos de boa parte dos ministros da Corte e indicou que a medida bastaria para dar legitimidade ao mecanismo. As mudanças feitas pelos parlamentares surgiram diante do risco de o STF acabar com o mecanismo.

No último sábado, 17, o ministro esteve ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e reforçou que as alterações realizadas pelos parlamentares atendiam às preocupações da Corte. O magistrado indicou ainda que a resolução seria levada em consideração na votação final. Mas, ao analisar o tema nesta segunda-feira, 18, Lewandowski disse que as medidas do Congresso não foram suficientes para adequar o orçamento secreto à legalidade.

“Apesar dos esforços, o Congresso  Nacional não conseguiu se adequar às exigências estabelecidas por essa Suprema Corte no que tange os parâmetros constitucionais que devem se enquadrar todas essas iniciativas que dizem respeito ao processo de orçamentação ora em curso no Congresso”, disse Lewandowski.

O ministro argumentou que a resolução do Congresso segue sem permitir o rastreamento do destino das emendas e continua a impedir a identificação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos. Segundo Lewandowski, é necessário que haja transparência ativa, com publicidade dos requerentes e destinatários das emendas, de modo a ‘extirpar’ qualquer tipo de sigilo.

Do outro lado, há cinco votos pela manutenção do orçamento secreto, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Esse é o posicionamento dos ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

Lewandowski argumentou ainda que a tentativa do Congresso de distribuir as emendas secretas proporcionalmente entre os líderes dos partidos, por meio da nova resolução, mantém a desigualdade entre os parlamentares, assim como a chance de aliados das lideranças serem privilegiados “sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas”. 

O ministro ainda fez críticas específicas à nova normativa do Congresso, como o aval para que os presidentes do Senado e da Câmara possam indicar 5% das emendas de relator. Segundo Lewandowski, a porcentagem representa um valor ‘extraordinário’. “A nova regulamentação, apesar de constituir um progresso, não resolve vícios de constitucionalidade”, afirmou.

Lewandowski citou as manifestações de parlamentares durante a votação da resolução e apontou que parte dos integrantes da oposição reconheceu que os “vícios” do orçamento secreto não seriam superados com as modificações discutidas na ocasião.  “Os próprios parlamentares entendem que a resolução nº3, embora tenha representado um avanço com relação à sistemática vigente das emendas rp-9 (orçamento secreto), não resolve a questão inteiramente”, disse Lewandowski.

 “Considerado o elevado coeficiente de arbitrariedade e alto grau de personalismo como são empregados esses recursos públicos pelos congressistas. Como resultado tem se a pulverização dos recursos públicos, a precarização do planejamento estratégico dos gastos e perda progressiva de eficiência econômica. Tudo em detrimento do interesse público “, completou.

Na avaliação do ministro, as emendas do relator ‘subvertem a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários porque retiram do chefe do Executivo a necessária discricionariedade da alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos que forma a separação dos poderes. “Não é possível deixar o presidente do Executivo completamente alheio ao processo de orçamentação”, registrou.

Impacto

Como mostrou o Estadão, o julgamento no STF sobre o orçamento secreto tem impacto na relação entre os Poderes no próximo ano e, sobretudo, na construção da governabilidade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro (PL). É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto negocia apoio no Congresso. O caso foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens.

A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Centrão para que a Câmara aprove, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo pagar o novo Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo. Os deputados ameaçam desidratar o texto, ou até mesmo barrá-lo na Câmara, caso o STF acabe com o orçamento secreto.

Durante a campanha, Lula chamou o mecanismo utilizado no orçamento secreto de “excrescência” e prometeu revogá-lo caso fosse eleito. Agora diplomado, o petista recuou do posicionamento adotado na corrida presidencial. Em reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – a quem já chamou de “imperador do Japão” por operar o esquema -, Lula disse diversas vezes não ter feito articulações com ministros do STF para tentar derrubar o mecanismo.

O eventual fim do orçamento secreto também tem potencial para afetar a relação entre o STF e o Congresso. Deputados e senadores ameaçam não aprovar a proposta orçamentária do Judiciário para 2023, que prevê aumento de salário aos ministros da Corte, provocando efeito cascata para toda a magistratura e o Ministério Público.

O veto aos recursos da Justiça seria uma retaliação dos parlamentares aos magistrados pelo fim do principal instrumento de barganha do Legislativo com o governo. “Vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles”, disse ao Estadão o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA)..

Placar e votos

Na Corte, seis ministros já se posicionaram pelo fim do orçamento secreto. Esses magistrados acompanharam o voto da presidente do STF, ministra Rosa Weber, que definiu a prática como um dispositivo “à margem da legalidade”, “envergonhado de si mesmo”, que impõe “um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União”. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deve ser considerado inconstitucional.

Ao acompanhar a relatora, Fachin destacou que ‘não há transparência quando não se explicita os critérios objetivos da eleição de prioridade’. Já Barroso ressaltou que o esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro gerou ‘desiquilíbrio imenso à separação de poderes’.

O ministro Luiz Fux chegou a dizer que é possível sintetizar o voto com uma única frase: “Com dinheiro publico o segredo não é a alma do negócio”. Cármen Lúcia chegou a afirmar que o Brasil é uma república e ‘não uma entidade estatal com o nome segredo. “As coisas do estado do povo tem que ser de conhecimento do povo”, ressaltou.

Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto há diferentes gradações sobre o nível de transparência que deve ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não veem conflito algum entre o dispositivo e a Constituição. Exigem apenas que os recursos sejam divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Segundo seu voto, as emendas devem ser alocadas somente seguindo uma relação de programas estratégicos e projetos prioritários – lista a ser definida pelo Executivo. Além disso, para Toffoli, deve haver um limite de valores repassados a cada município e os pagamentos devem ter um ‘papel integrante no planejamento nacional’.

Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução “intermediária”, que equipara as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvazia o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos. O magistrado propôs que o Congresso tenha de publicizar os destinos e objetivos das emendas. Além disso, quer que os valores sejam distribuídos entre os parlamentares seguindo regras de proporcionalidade.

Fiel da balança

Antes de pedir a suspensão do julgamento, na quinta-feira, 15, Lewandowski chegou a dizer que as últimas modificações no orçamento secreto – aprovadas pelo Congresso às pressas, na sexta, 16 – estavam alinhadas às preocupações dos ministros que cobraram transparência na distribuição das verbas.

Lewandowski era tido como o fiel da balança nessa votação porque na primeira vez em que o caso foi a julgamento na Corte, Gilmar já havia observado ser necessário somente a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

Para o procurador Roberto Livianu, que preside o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o projeto de resolução aprovado pelo Congresso é “insatisfatório” para coibir a captura do orçamento pela cúpula do Câmara e do Senado.

“Esse dispositivo criado pelo Congresso é absolutamente insatisfatório. É, na verdade, um disfarce porque nós continuamos com um orçamento secreto. Nós não podemos ter uma fatia gigantesca do bolo orçamentário entregue aos parlamentares. Não é essa a vontade do povo ou da Constituição. Isso que o Congresso fez é um atalho para tentar minimizar o orçamento secreto, o que não resolve a questão. É preciso desconcentrar o poder e desarmar essa armadilha que não tem sustentação numa República”, disse Livianu.

Na avaliação do decano Gilmar Mendes, a continuidade desse mecanismo pode ser decisiva para a capacidade de governar dos próximos presidentes. Na quinta-feira, 15, pouco antes de o julgamento ser suspenso, o ministro lembrou que, desde a redemocratização, o País já passou por dois processos de impeachment porque os chefes do Executivo perderam bases no Congresso.

Gilmar apelou, ainda, para que os demais integrantes da Corte refletissem sobre o tema antes da decisão, sob a alegação de que o julgamento do orçamento secreto é determinante para a relação entre os Poderes. “Está em jogo a governabilidade”, afirmou o magistrado.

Com Estadão e G1

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